segunda-feira, 30 de novembro de 2009


Pão e circo
(JN) 30.11.09

Os que forem resistindo fora da capital não precisam de poder de compra para nada. Não lhes faltará paisagem para plantar couves e criar porcos.
1- Todos os países têm uma capital e todas as capitais são mais ricas do que as outras cidades. Mas entre algum desequilíbrio orçamental e o imperialismo financeiro vai uma diferença como a que separa Estocolmo de Luanda. E quando se olha para os últimos dados sobre o poder de compra em Portugal, percebe-se que estamos cada vez mais próximos do modelo despótico africano e cada vez mais distantes do modelo democrático europeu.
Lisboa não só mantém o primeiro lugar do indicador do poder de compra, como o reforçou, acumulando 235 pontos (a média nacional é de 100) e concentrando 11% do poder de compra total do país. Vai-se ao extremo oposto e temos Vinhais, concelho do Norte (onde haveria de estar o mais pobre?), com os seus 45 pontos. É só fazer de conta que em vez de pontos são pães e percebe-se melhor a diferença. Pior, nos últimos 16 lugares desta tabela estão 16 concelhos do interior Norte.
Já o escrevi e insisto: estamos próximos de ver aplicada, em sentido literal, a profecia segundo a qual "Portugal é Lisboa, o resto é paisagem". Sendo que os poucos que forem resistindo fora da capital não precisam de poder de compra para nada. Não lhes faltará paisagem para plantar couves e criar porcos. Em Vinhais, já é assim que se sobrevive.

2 - Os romanos inventaram a fórmula do pão e do circo. Nos tempos da República, a oligarquia assegurava a manutenção do poder com a distribuição de pão a baixo custo e com espectáculos gratuitos no Coliseu - o circo - de Roma. Garantiam barrigas saciadas e espíritos satisfeitos entre cidadãos das classes médias e baixas e, assim, uma certa tranquilidade da turba e estabilidade política. Sempre que esta dupla garantia falhava, o sangue corria.
Em Portugal, fora de Lisboa e sobretudo na Região Norte, o pão (poder de compra) escasseia. Sendo que, agora, também o circo ruma a Lisboa. Pelo menos o da Red Bull Air Race. O circo muda-se porque empresas com participação do Estado estão disponíveis para dar mais dinheiro, se a corrida trocar o Douro pelo Tejo. Luís Filipe Menezes e Rui Rio terão razões para ficar indignados, mas não surpreendidos. As empresas podem ter participação do Estado, mas são empresas, querem estar onde está o poder de compra. Em Lisboa.

3 - A nova governadora civil do Porto, Isabel Santos, não apreciou a minha última crónica. O tema, recorde-se, era a nomeação dos governadores civis. Que serviu para garantir cargos políticos a quem ficou sem nenhum. Não se pôs, nem se pretendeu pôr em causa as qualidades profissionais ou pessoais de Isabel Santos ou de qualquer dos outros citados. Pretendia-se, isso sim, questionar por que havemos todos de pagar salário, carro e motorista a 18 pessoas que ocupam aquilo que o povo designa como "tacho" e que os políticos, desde António Guterres, apelidam de "jobs for the boys". Isabel Santos fez bem em defender a sua honra, se se sentiu ofendida. Mas registei que não tenha sido capaz de uma palavra que fosse em defesa de um cargo tão "importante".

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