segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Berlusconi crê que é 'primus super pares'?
Primeiro-ministro italiano em tribunal.

Nova reforma judicial pode ajudá-lo
(JN) 16.11.09 JOSÉ MIGUEL GASPAR
É o homem mais poderoso de Itália, mas vai sentir-se réu como os mortais: Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano, cavaleiro em contramão, nunca antes condenado pela Justiça, começa hoje, segunda-feira, a ser julgado por suborno e fuga ao Fisco.
Não é fácil seguir Silvio Berlusconi, o mais longevo primeiro-ministro da república italiana, três vezes no cargo (1994-95; 2001-06; e actualmente desde 2008), o homem-manchete sobre quem pesam acusações e exclamações de nepotismo, burlas, chantagens, fugas fiscais e até actos impróprios e/ou ilícitos com seniores e mediáticas menores nas festas da sua escorregadia casa na Sardenha.
E não é fácil porque o peculiar primeiro-ministro de 73 anos, criador do 'Forza Itália', ideólogo da recente coligação 'Popolo della Libertà', é também o 3.º homem mais rico de Itália e o 15.° mais rico do mundo (fortuna pessoal estimada em 10 mil milhões de euros, diz a Forbes), detendo um omnipresente poder que se confunde com a sombra política e económica da Itália dos últimos 30 anos. Além da Finivest (média e finanças), do Mediolanum (banca e seguros) e do clube de futebol AC Milan (última Taça UEFA em 2007), o galanteador 'Cavalieri' é proprietário do império de comunicação Mediaset, com tentáculos mediáticos em jornais, televisões, revistas, editoras e publicidade, num domínio que cobre metade do actual parque italiano de comunicação de massas.
Mas esse primeiro-ministro, esse negociante de hiper-poderes, vai sentar-se no banco dos réus - como os demais mortais.
Berlusconi está indiciado por fraude fiscal, falsa contabilidade, suborno e conluio político, num total de quatro casos. O mais relevante envolve a Mediaset, que, de acordo com a acusação, comprou direitos de exibição em TV a preços inflacionados por 'offshores' controladas pelo primeiro-ministro.
O processo judicial, que hoje se reinicia em Milão, chega a julgamento devido à invalidação da lei da imunidade, decretada em Outubro, quando o Tribunal Constitucional declarou ilegal a lei aprovada em 2008 pelo executivo do 'Cavalieri', a chamada "Lei Alfano", aprovada após a chegada de Berlusconi ao poder, que concedia imunidade judicial às quatro maiores figuras do Estado, incluindo obviamente Berlusconi.
Mas aquele expediente poderá ser de novo usado pelo exército político do primeiro-ministro, que nas últimas semanas desenvolveu com extraordinária celeridade uma reforma judicial que inclui, entre outros, um projecto de lei que encurta de dez para seis anos o tempo de prescrição da Justiça.
Essa lei é classificada pela oposição como um fato feito à exacta medida das necessidades de Berlusconi, podendo ilibá-lo já de dois dos quatro casos pendentes.
Com a Itália deveras dividida e à espera do 'B Day' (dia B, de Berlusconi), agiganta-se já a manifestação de 5 de Dezembro (Praça da República, Roma), intitulada 'No B Day', que pede a renúncia do primeiro-ministro - a página no Facebook que passa a palavra registou num mês 235 mil adesões...
É este um caso de 'commedia all'italiana'? Seguramente: Berlusconi deveria, diz o seu advogado, ser considerado um 'primus super pares' (primeiro acima dos iguais), uma espécie de 'upgrade' à familiar expressão latina 'primus inter pares' (primeiro entre iguais). Mas Berlusconi, que já garantiu que não vai renunciar, ainda tem apoio de uma massa popular que o considera um verdadeiro 'primus super pares'.
Reforma da Justiça ou uma conveniente lei feita à medida?
A oposição diz que o plano é um fato à medida de Berlusconi: o projecto-lei de reforma judicial que o governo do primeiro-ministro italiano preparou impõe um encurtamento de 25% no tempo de prescrição dos casos judiciais, que passaria de dez para seis anos. Toda a oposição do actual executivo de centro-direita diz que é uma "lei com manigâncias de alfaiate", lembrando assim a primeira profissão de Berlusconi, e os advogados classificam-na como "lei 'ad personam'", termo latino para "lei personalizada". Se o texto for aprovado - é provável: a coligação 'Popolo della Libertà' domina as duas casas do Parlamento -, dois dos quatro casos que levam Berlusconi a julgamento seriam imediatamente extintos: a consumação de suborno ao advogado David Mills e o caso Mediaset, que mete falsa contabilidade e fuga fiscal (170 milhões de euros). A reforma teria "consequência devastadoras" para a Justiça, dizem os magistrados, porque extinguiria automaticamente mais de 100 mil julgamentos.
Quatro casos para julgar
Mills, o homem-fachada
Advogado inglês David Mills criou sociedades opacas em paraísos fiscais, movimentando compra e venda de direitos em TV, actuando como frente de Berlusconi. Prestou falso testemunho e já foi condenado, provando-se que recebeu 580 mil euros das mãos do 'Cavalieri'. O emaranhado Mediaset
David Mills é de novo personagem: as sociedades offshore movimentaram, entre os anos 1994 e 1999, 470 milhões de euros em direitos de cinema e TV (essencialmente filmes americanos), com intermediários falsos que inflacionaram os preços várias vezes. No emaranhado de operações, o fisco foi eludido em 170 milhões. Também aqui Berlusconi é peça principal, mas a actuar atrás da cortina: o império Mediaset está em nome da família do primeiro-ministro.
Caso Mediatrade
Acusação: falsa contabilidade e fraude fiscal. O esquema é o mesmo: ganhos paralelos com dilatação de preços entre vários intermediários.
Conluio com Senadores
Indução à corrupção: em 2008, Berlusconi terá conspirado com dois senadores do Partido da Refundação Comunista, eleitos no estrangeiro, para que retirassem apoio ao Governo de Romano Prodi. O Executivo caiu no final de 2008.

Sem comentários: