quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Saramago é crente
(JN) 22.10.09
Saramago dizendo "Deus não é de fiar: é vingativo, é má pessoa" lembra-me as animadas conversas das empregadas domésticas nos autocarros a caminho do trabalho, revoltadas com a Ivone do "Caminho das Índias" e prontas para, dando com a actriz Letícia Sabatella na rua, tirarem desforço dela.
Saramago, afinal, é crente, e fundamentalista, levando a novela bíblica a peito e as "más práticas" de Deus (espécie de Ivone da Bíblia) à conta de literalidade. Não me admirava que, podendo, também o invectivasse ("Aquilo faz-se, meu malandro, mandar Abrãao matar Isaac?") e o espancasse se ele lhe aparecesse, como à Alexandra Solnado, no metro. Alguém que diga a Saramago que a Bíblia é um livro, uma narrativa (na verdade muitas e belíssimas narrativas, misturando verdade histórica e fábula), "escrita" há milénios por autor colectivo e anónimo a quem os cristãos, na parte que lhes toca, chamam Espírito Santo (como chamamos Homero a todos os gregos autores da "Odisseia"). Não é uma obra de História ou de Geografia, de Biologia ou de Astronomia. Era de supor que um romancista percebesse isso melhor que ninguém.

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