sábado, 31 de outubro de 2009

Entrevista a Carvalho da Silva
Valter Lemos no Emprego é um sinal "absolutamente desastroso" do Governo
31.10.2009 - 08:34 (Público) Nuno Pacheco
Desde 1986 à frente da CGTP, na qual foi eleito secretário-geral em 1999, Manuel Carvalho da Silva não alimenta grandes expectativas face ao novo Governo de José Sócrates.
Carvalho da Silva considera que a escolha de Valter Lemos é uma autêntica "provocação" ao comum dos trabalhadores
Contrapõe a palavra mobilização à palavra confrontação, isto como resposta aos problemas sociais e à gravidade da crise, acha uma armadilha perigosa o facto de se dizer que há em Portugal uma ministra do Trabalho sindicalista e considera a entrega da Secretaria de Estado do Emprego a Valter Lemos como "um sinal absolutamente desastroso" e até "uma autêntica provocação" ao comum dos trabalhadores.
Em entrevista ao programa Diga Lá, Excelência do PÚBLICO, Rádio Renascença e RTP-2, gravada em vésperas de completar 61 anos (a 2 de Novembro) é evasivo em relação ao seu futuro à frente na central mas afirmativo no caso do apoio a António Costa. "Fui eu que tomei a iniciativa", garante. Temos um novo Governo, temos caras novas, mas o núcleo duro mantém-se.
Acha que esta é a estratégia ideal para José Sócrates manter o Governo coeso, controlando os independentes, e assim ter mais estabilidade para este Governo minoritário?
Essa é uma pergunta que tem que ser feita ao primeiro-ministro...
Mas como é que o líder da CGTP vê este cenário?
O que vemos é um núcleo central que continua, uma afirmação persistente do primeiro-ministro de que vai continuar o fundamental das políticas que vinha seguindo e, portanto, não dá grandes sinais de mudanças. E é preciso mudanças, quer de conteúdos quer de práticas. Já o conceito de independentes é outra questão...
O que quer dizer com isso?
Costumo dizer que há pessoas rotuladas de independentes que têm grande valor. Mas se analisarmos os independentes que entram neste Governo, são pessoas de muita proximidade. Nesse aspecto, o Governo anterior até se anunciou com independentes mais independentes do que estes. Mas o principal é ver o programa que vem aí e a resposta que terá para questões fundamentais, a primeira das quais é o emprego. Que não pode continuar a ser discutido meramente do ponto de vista quantitativo, mas também qualitativo e com o objectivo de garantir a efectivação do direito ao trabalho. Os vínculos de trabalho, as apostas na formação, o valor da retribuição do trabalho, são fundamentais. Não há garantia de emprego para o futuro se continuar a proliferar a precariedade, que é uma das causa mais violentas da destruição do emprego. A outra é a destruição do aparelho produtivo, o facilitismo com que se tem deixado encerrar empresas, muitas vezes em nome de uma falsa modernização.
Há duas semanas, neste mesmo programa, o presidente da CIP, Francisco Van Zeller, admitiu que viria aí um tempo de confrontações. A CGTP é da mesma opinião?
Seria bom que nos mobilizássemos todos mais, portugueses e portuguesas, no sentido de uma maior participação social e cívica. A sociedade portuguesa tem que ser mobilizada para a resposta aos problemas, as soluções não vêm por nenhum toque de varinha de condão. Se houver essa mobilização não chegamos a situações de grande conflitualidade. A manifestação das vontades, a mobilização das pessoas, não é em si um conflito. É preciso é haver respostas.
A nomeação de Helena André para ministra do Trabalho foi uma surpresa para muita gente, incluindo para a CGTP e para muita gente. O que acha que levou Sócrates a ir buscá-la a Bruxelas, onde estava a fazer planos para daqui a um ano ser secretária-geral da CES e liderar 60 milhões de trabalhadores europeus?
Já tivemos a oportunidade de comentar as escolhas do Governo. Em relação ao trabalho, é verdade que Helena André é, desde há bastante tempo já, um quadro destacado da Confederação Europeia de Sindicatos numa actividade intensa, mas no campo institucional. Mas está a espalhar-se a ideia de que Portugal tem uma ministra do Trabalho sindicalista, como se o patronato estivesse em situação de desfavor. Isto pode ser uma armadilha muito perigosa. E eu não quero acreditar que isto foi uma congeminação do primeiro-ministro para dar força ao patronato, porque isto pode mesmo tornar-se uma situação subversiva, dando origem a pressão e até a chantagens.
Para além do emprego, que outras prioridades vê para o Ministério do Trabalho?
A primeira é o emprego, conseguindo ter uma palavra forte de valorização das questões do emprego nas outras áreas: financeira, económica, etc. Em segundo lugar, a política salarial. Será um desastre e até um autêntico crime se, no início da legislatura, num contexto em que Portugal mostra sinais de desigualdades profundas, houvesse um recuo no compromisso em relação ao salário mínimo nacional. E não só: também em relação à política salarial. Alimentar uma matriz de baixos salários é um desastre. Depois, na segurança social há dois ou três temas muito sensíveis: um deles é a resposta à situação de milhares e milhares de desempregados que continuam sem protecção...
Como é que resolveria isso?
Há projectos de lei de vários partidos que poderiam ajudar à resolução do problema. No imediato, é preciso medidas excepcionais que não deixem desprotegidos milhares e milhares de reformados. Depois, os tempos de formação para o acesso ao subsídio de desemprego são outro tema que precisa de ver visto com atenção e alterado.
Voltando ao elenco ministerial: o que diz ao facto de ter Valter Lemos, um nome contestado, na Secretaria de Estado do Emprego e da Formação Profissional?
É um sinal absolutamente desastroso. Acho que não exagerarei se disser que, para o comum dos sindicalistas e dos trabalhadores, isso pode ser visto como uma autêntica provocação. E isso é muito mau. Não está em causa a pessoa, nem conheço suficientemente a pessoa para fazer qualquer apreciação dessa ordem, está em causa o desempenho de uma função como secretário de Estado. Valter Lemos foi a referência mais forte da conflitualidade com os professores e foi um membro do Governo que mais expandiu argumentos violentos de ataque aos trabalhadores.
Imagina que essa prática de confronto se transmita agora à sua secretaria de Estado?
Não sei. Que é um sinal desastroso, é. E ainda por cima no Emprego. Há um outro factor que também pesa: a composição dos núcleos de trabalho dentro dos ministérios. Muitas vezes há um conjunto de técnicos cujo trabalho é feito com orientações muito concretas e que influenciam tanto ou mais que os secretários de Estado ou o próprio ministro na condução política das coisas. Os gabinetes técnicos precisam de ser mais políticos - isto é um problema da constituição dos governos, mas é internacional. Nós todos os dias somos bombardeados com dados estatísticos, com avaliações de equipas técnicas, que em regra são tecnocratas formatados na lógica do pensamento único, de pensamento neoliberal profundo e que, rotulados de independentes, debitam apreciações sobre a condução das sociedades sem nenhuma sustentação de ordem política. É tempo de se dar dimensão à política. Nós precisávamos agora de ter um Governo muito político, no sentido de perceber os problemas sociais, culturais, a realidade objectiva da vida das pessoas, colocar o conceito de desenvolvimento da sociedade nas pessoas e não nos números.

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