domingo, 23 de agosto de 2009

O vírus
(DN) 23.8.09 PEDRO MARQUES LOPES
O Presidente contribui para um clima podre e de permanente intriga que só corrói os alicerces do edifício democrático.
Não é novidade para ninguém que o período pós-27 de Setembro vai exigir de todos os intervenientes políticos um comportamento irrepreensivelmente responsável. A crise económica ainda está longe de estar debelada e a inevitável crise política em nada ajudará à recuperação dos índices económicos e sociais.
Exige-se respeito - que deveria ser normal - pelas instituições democráticas e seus poderes e um relacionamento absolutamente saudável entre os partidos e demais actores políticos.
Infelizmente, a campanha eleitoral começou mal e preanuncia um clima político que não augura nada de bom.
O PSD, que deveria mostrar que tem de facto uma nova atitude e que está preparado para assumir responsabilidades governamentais, iniciou a campanha de forma lamentável em nada consentânea com a sua história e com os anseios de quem pensa que Portugal merece outro Governo.
No tradicional comício algarvio, Aguiar-Branco, em vez de mostrar as alternativas sociais-democratas, enveredou por um caminho ínvio - rapidamente secundado por Pacheco Pereira - falando de "um Governo sob suspeição", dando exemplos de processos arquivados ou que seguem os seus procedimentos normais.
Seria grave num qualquer político responsável e ainda mais grave é que estas infelizes declarações tenham sido proferidas por um ex-ministro da Justiça.
Mas o desnorte parece ter atingido mais altas instâncias. O Presidente da República, que nos habituou, desde sempre, a um rigoroso respeito pelas já referidas instituições democráticas, parece ter sido atacado por um vírus ainda não identificado.
Não serei eu o único português que, logo depois de ter lido as notícias de umas supostas escutas a colaboradores do Presidente Cavaco Silva, teve a certeza de que o Presidente iria fazer uma comunicação ao País e, de certeza, muito mais irada do que a que fez faz agora aproximadamente um ano.
Dessa comunicação - que até à data que escrevo não foi feita - esperava uma de quatro coisas: um desmentido categórico da notícia, chamando a atenção para a gravidade deste tipo de insinuações; o anúncio do despedimento do assessor ou assessores que teriam dado esta informação ao jornalista; a denúncia à Procuradoria da situação; a demissão do Governo (fosse, neste momento, constitucionalmente possível).
Nada disto, como é sabido, aconteceu. Ao Presidente da República não parece importante que fontes da sua própria casa digam o que quer que lhes vá na cabeça.
Também é possível, apesar de altamente implausível, que o Presidente tenha a mesma opinião que a dra. Ferreira Leite, que, esquecendo por momentos a "política de verdade", afirmou que não queria saber se há escutas ou não bastando-lhe a opinião das pessoas.
Ao deixar que se mantenha no ar a suspeita - mais uma vez as suspeitas; apenas uma coincidência com o discurso do PSD, bem entendido - que existem escutas a membros da sua equipa, o Presidente da República contribui pa- ra um clima podre e de permanente intriga que só corrói os alicerces do edifício democrático.
Imaginemos que saía uma notícia referindo que fontes próximas do primeiro-ministro suspeitavam que a Presidência da República estivesse a escutar membros do Governo. Será que Cavaco Silva faria uma piada de ocasião?
José Sócrates parece também ter sofrido um ataque do tal vírus.
Que um jornalista ou comentador tome a questão das escutas como uma brincadeira ou que não dê importância ao caso, é compreensível. Estranho, mas compreensível. Mas o primeiro-ministro de Portugal não pode dizer apenas uma graçola sobre este gravíssimo problema e fingir que não se passa nada.
Ao primeiro-ministro cabia, em nome do são relacionamento institucional, pedir um rigoroso esclarecimento do assunto e exigir que a Presidência se pronunciasse. Acusações de escutas entre órgãos de soberania não são propriamente assunto que seja tratado como espuma dos dias.
Convém lembrar que o Presidente da República vai, provavelmente, ser o principal actor político depois de 27 de Setembro. Exige-se mais clareza, firmeza e que fique absolutamente claro que, como até aqui, é equidistante de todos os partidos

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