sábado, 20 de dezembro de 2008

O que faz falta ao lavrador duriense Joseph James Forrester
20.12.2008, Manuel Carvalho
A A exposição inaugural do Museu do Douro não é dedicada ao vinho, à paisagem nem sequer a um dos muitos protagonistas da região nem do vinho do Porto. A honra da inauguração coube paradoxalmente a um escocês nascido em Hull há 200 anos, membro da comunidade de exportadores britânicos que os durienses odiaram visceralmente geração após geração. Um erro na escolha? Não, pelo contrário, se há um nome referencial para o Douro e para o vinho do Porto é o de Joseph James Forrester, uma personagem visionária, polémica e genial, que, ao contrário do que era normal entre os britânicos da época, falava português fluentemente e assinava o seu nome na condição de "lavrador do Douro". Mas, sendo uma aposta inatacável, a exposição que pretende afirmar o Museu do Douro no espaço cultural português é um exercício de diletantismo que peca por falta de ligação à terra. Por muito que a beleza e o grafismo de uma exposição sejam fundamentais, nada substitui a necessidade de se emitir mensagens concretas sobre os seus temas. Se a mostra dedicada a Forrester oscilava entre a "razão" e o "sentimento", também é verdade que procurava contar uma "história do Douro". A primeira parte está cumprida e, no essencial, bem cumprida: graficamente, as escolhas são boas, as peças reunidas cumprem as expectativas e há até momentos, como o que retrata a chegada de Forrester ao Porto nos dias dos bombardeamentos do Cerco a que a cidade esteve submetida nas guerras liberais, bastante bons. Mas, passado o que é contexto geral, tudo o resto soçobra. Ou seja, há ali pouco Douro e ainda menos vinho do Porto. O que não seria nada de mais se por detrás destas lacunas não estivesse a suspeita que a exposição é assim porque tinha de ser assim. Por outras palavras, quando se soube que a sua comissária, Isabel Cluny, nunca escreveu uma linha sobre o Douro, sobre Forrester ou sobre o vinho do Porto, temia-se que assim fosse. Ora, se Forrester foi um fotógrafo pioneiro, pintor, ensaísta ou polemista, ele é antes de mais um negociante de vinhos que, a dado momento, se viu como um profeta do Douro e das suas potencialidades. Nem sempre teve razão e teve-a em momentos muito antes do tempo. A sua rejeição do caminho-de--ferro era errada, mas os apelos para que o canal do Douro se tornasse mais amigável à navegação tiveram de esperar mais de um século para que se concretizassem. Mesmo nas polémicas em que se envolveu sobre o vinho, os seus pontos de vista estavam longe de ser justos. O que ele apregoava nos panfletos que fez publicar em Londres antecipava de alguma forma o sucesso que o vinho do Douro está a conquistar hoje no mundo da enofilia (embora defendesse a adição de pequenas doses de aguardente no vinho), mas ao mesmo tempo pretendia comprometer a evolução de soluções enológicas que estão na origem do vinho do Porto actual. A exposição vale a pena ser visitada, mas não estranhem se no final não perceberem muito bem porque raio Forrester é assim um nome tão importante para inaugurar o Museu do Douro ou porque é que ele é uma "História do Douro". Ou seja, falta-lhe saber e profundidade de análise que a coloquem no contexto devido. A opção por nomes bem colocados nas elites em detrimento dos que estudam arduamente tem destes custos. E o preço a pagar pode ser alto: ao contrário do espaço de estudo e reflexão que o distinguiu em anos recentes, o museu que esta exposição projecta deixa no ar um risco que o pode transformar numa vitrina na qual o esforço e o saber são causas irrelevantes.

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