domingo, 5 de outubro de 2008

Jornal Público 04.10.2008
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Instalação de pousada no forte de Peniche está a causar polémica
04.10.2008, Sérgio C. Andrade
Membros da associação Não Apaguem a Memória questionam intervenção privada no forte. Autarquia diz que é oportunidade para a sua reabilitação
O anúncio, no mês passado, de que a Enatur e a Câmara de Peniche tinham retomado um contrato existente desde 2003 com vista à instalação de uma pousada daquela rede no velho forte da cidade está a provocar uma nova discussão sobre o destino a dar aos lugares marcados pelas memórias do fascismo em Portugal.O presidente da Câmara de Peniche, António José Correia, do PCP, reafirmou agora ao PÚBLICO que o acordo com a empresa das Pousadas de Portugal pressupõe a "compatibilização da componente museológica" do forte com a nova função hoteleira. E acrescenta mesmo que vê na nova utilização "uma oportunidade única para a reabilitação daquele espaço de memória", que anualmente recebe milhares de visitantes.
A historiadora Irene Flunser Pimentel, Prémio Pessoa 2007 e investigadora da história do fascismo, tem muitas dúvidas de que uma empresa privada seja a mais indicada para "salvaguardar e apostar na revitalização de um espaço museológico" como o forte de Peniche, que durante os anos do salazarismo serviu de prisão a inúmeros presos políticos (ver texto ao lado). Num comentário publicado no blogue Os Caminhos da Memória, que expressa a opinião de membros da associação Não Apaguem a Memória, Irene Pimentel classifica como "anedótico" que se imagine os clientes da futura pousada "a beber um copo num hipotético bar erguido junto ao parlatório onde os familiares visitavam os presos políticos", ou que "dêem um mergulho na piscina junto à furna isolada em cimento, que servia de segredo para punir" os detidos. A sucessão de comentários no citado blogue mostra que este é um tema que divide as opiniões, entre quem acha que não devemos ficar presos ao "fetichismo" dos lugares e quem defende que nunca um espaço simbólico, como o forte de Peniche, deveria ser entregue a interesses privados. Irene Pimentel esclarece que nunca defendeu que a fortaleza deva ficar como actualmente está, "degradada e praticamente ao abandono". Mas acha que cabe à autarquia e ao Estado a reabilitação desse lugar. "Qualquer dia, depois do que aconteceu com a venda da sede da PIDE na Rua António Maria Cardoso - que, apesar de tudo, era propriedade privada - ou com o Aljube, ficamos sem qualquer memória museológica do que foi o fascismo em Portugal, mesmo se ele marcou metade do século XX."A historiadora e outros membros da associação Não Apaguem a Memória pediram já uma audiência ao presidente da Câmara de Peniche para ficarem a conhecer melhor o projecto.
António José Correia diz esperar que a reunião permita mostrar que a de Peniche não se limitará a ser apenas "mais uma pousada", mas antes um lugar cuja história particular "marcará a sua presença e a sua diferença". O projecto de instalar uma pousada em parte do forte de Peniche não é novo. Ele surgiu há quase uma década, e nessa altura Siza Vieira chegou a fazer uma maqueta para o lugar. O presidente da câmara diz que veria com bons olhos que o arquitecto portuense fosse de novo associado ao projecto, e fez eco disso mesmo junto da direcção da Enatur.
O PÚBLICO não conseguiu obter qualquer informação da Pousadas de Portugal sobre se Siza irá ou não ser convidado a retomar o projecto. Já o arquitecto, através da sua secretária, disse-se "muito surpreendido" com a notícia de que a pousada iria avançar, e esclareceu não ter sido contactado por ninguém para esse fim.

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