terça-feira, 21 de outubro de 2008

Fernando Pessoa era contra o salazarismo e combateu-o

21 Out (Lusa) - Simpatizante inicial do salazarismo, Fernando Pessoa distancia-se e empenha-se em combatê-lo, estando a expressão literária dessa luta patente num livro a lançar sexta-feira em Coimbra, por iniciativa do docente António Apolinário Lourenço.
"Contra Salazar", publicado pela Angelus Novus Editora, reúne em 146 páginas "tudo o que Fernando Pessoa escreveu contra Salazar", em poema, prosa e em cartas, surgindo agora ao público, quando se evocam os 120 anos do nascimento do poeta e 40 anos após o afastamento do ditador na sequência das sequelas da queda de uma cadeira, que iriam provocar a sua morte.
"A reunião de todos estes textos de Fernando Pessoa permite comprovar a profundidade e a radicalidade da oposição do poeta a António de Oliveira Salazar. Nessa oposição está patente o rancor pessoal, mas também a censura política contra o carácter ditatorial e fascizante do regime", declarou à agência Lusa o docente da Faculdade de Letras de Coimbra, que este ano publicou também uma edição anotada de "Mensagem".
Segundo o organizador da colectânea, "o primeiro sinal de distanciamento de Pessoa face ao regime saído do golpe militar de 28 de Maio de 1926 - que o poeta expressamente apoiara num opúsculo de 1928 - aparece em dois textos de 1930, que constituem a sua resposta à constituição da União Nacional".
A ruptura - acrescenta - acentua-se com a publicação em 4 de Fevereiro de 1935, no Diário de Lisboa, de um artigo de Fernando Pessoa, intitulado "Associações Secretas", em que o poeta manifesta a sua oposição a um projecto de lei do deputado José Cabral, apresentado na Assembleia Nacional, que visava a proibição da Maçonaria.
Noutros trechos da obra, Pessoa afirma que "o argumento essencial contra uma ditadura é que ela é ditadura". Num outro reprova o facto de Salazar ter transformado uma ditadura à Primo de Rivera numa ditadura à Mussolini; ou outro ainda em que se queixa de ter sido vítima de um acto de censura.
Nos poemas, tanto satiriza e ridiculariza o chefe do regime, como elogia, ironicamente, as pretensas grandes realizações do mesmo regime.
Numa projectada carta para o Presidente da República, escreve - "Chegámos a isto, Senhor Presidente: passou a época da desordem e da má administração; temos boa administração e ordem. E não há nenhum de nós que não tenha saudades da desordem e da má administração".
Numa outra carta, dirigida ao poeta Marques Matias, confessa: "Tenho estado velho por causa do Estado Novo".
"Fernando Pessoa era bastante ingénuo como analista político. Como qualquer cidadão comum aderia ou não aderia à personalidade dos políticos. Se é verdade que, em alguns textos, revela simpatia por soluções políticas que parecem autoritárias, quando se viu confrontado com o regime verdadeiramente autoritário o resultado foi este", realçou António Apolinário Lourenço.
Todos os textos reunidos em "Contra Salazar" encontram-se editados. Apenas o "Associações Secretas" foi publicado em vida do poeta. Todos os restantes foram publicado após a revolução democrática da 25 de Abril de 1974, à excepção de um outro - editado no volume "Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação".
A obra, que reúne desenhos inéditos de Francisco Costa e reproduções de imagens de publicações da época, será lançada sexta-feira numa sessão com a participação do advogado António Arnaut, até há pouco tempo Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa (Grande Oriente Lusitano).

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