segunda-feira, 12 de maio de 2008

Prioridades do Fundo de Coesão

Talvez valha a pena ler com alguma atenção pelo que diz e sobretudo pelo que não diz...
Paulo Maia (PJ) 12 Maio 2008
A alta velocidade ferroviária e o novo aeroporto vão absorver a maior fatia do orçamento disponível pelo Fundo de Coesão (FC).
Em entrevista ao JANEIRO, concedida por via electrónica, a coordenadora do FC, Francisca Cordovil, elenca ainda as outras prioridades, com destaque para o combate à erosão e defesa costeira, a reabilitação de locais contaminados e zonas mineiras.
Quais os projectos que terão um apoio prioritário do Fundo de Coesão, quer na área dos transportes, quer na área do ambiente?
Os projectos com apoio do Fundo de Coesão (FC) no período 2007-2013 estão incluídos em cinco eixos prioritários do Programa Operacional Valorização do Território (POVT) com um montante total de apoio de 3.060 milhões de euros. No primeiro eixo “Redes e Equipamentos Estruturantes Nacionais de Transportes”estão identificados, entre os grandes projectos a apoiar, a alta velocidade ferroviária, o novo aeroporto e a ligação ferroviária Sines-Elvas (transporte de mercadorias), onde o montante de apoio é de 1.553 milhões de euros.No segundo eixo “Rede Estruturante de Abastecimento de Água e Saneamento”, a tipologia de projectos a apoiar está definida no Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais (PEAASAR II) e contempla infra-estruturas em “alta” ou “alta” e “baixa” integradas nos domínios do abastecimento de água e do tratamento de águas residuais. O montante de apoio é de 803 milhões de euros. O terceiro eixo “Prevenção, Gestão e monitorização de Riscos Naturais e Tecnológicos” contribui para a concretização de medidas prioritárias previstas no Plano Nacional de Ordenamento de Território (PNPOT), nomeadamente a nível do Sistema Nacional de Gestão de Emergência, do combate à erosão e defesa costeira e da reabilitação de locais contaminados e zonas mineiras. O montante de apoio é de 534 milhões de euros. Os eixos quatro e cinco “Redes e Equipamentos Estruturantes” incidem nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, respectivamente. Nos Açores estão identificadas intervenções em portos comerciais, gestão de resíduos sólidos urbanos, recuperação de lagoas e produção de energias renováveis. O montante de FC para o eixo quatro é de 70 milhões de euros. Na Madeira está prevista a introdução de gás natural na Região e de energias renováveis, infra-estruturas portuárias, recolha e gestão de resíduos sólidos urbanos, abastecimento de água e tratamento de águas residuais. O montante de FC para este eixo é de 100 milhões de euros. As intervenções apoiadas pelo FC no POVT deverão ser articuladas com operações financiadas pelo FEDER nos Programas Regionais com vista a uma efectiva concretização dos objectivos finais partilhados por estes dois fundos. O sector de tratamento de resíduos sólidos urbanos, no Continente, fortemente impulsionado pelo FC nos períodos anteriores, passa agora para o domínio do eixo oito do POVT, financiado pelo FEDER, com 155 milhões de euros de apoio. Os primeiros períodos de aplicação do FC tiveram uma incidência na área dos transportes, sendo depois mais beneficiada a área do ambiente.
Qual a tendência para a nova fase?
O FC apoiou entre 1993 e 2006, e continuará a apoiar, os sectores dos transportes e do ambiente com montantes equivalentes. Nos transportes o apoio do fundo no primeiro período foi de 1,4 mil milhões de euros e no ambiente 1,5 mil milhões de euros. No segundo período ambos contaram com 1,6 mil milhões de euros. No total dos dois períodos, entre 1993 e 2006, o apoio aprovado atingiu 6 mil milhões de euros, rondando os 3 mil milhões em cada sector. Em termos de investimento total os dois sectores também ficaram equilibrados com montantes totais de 4,5 mil milhões em cada sector. No primeiro período o sector dos transportes teve taxas de comparticipação mais baixas, dadas as receitas geradas pelos projectos aprovados. Situação inversa veio a verificar-se no segundo período, em que os projectos aprovados no ambiente demonstraram maior capacidade de financiamento através das receitas geradas. Embora os projectos de transportes sejam em menor número (sessenta e dois no total), têm uma dimensão mais significativa e maior visibilidade. Os projectos de ambiente (duzentos e cinco no total), têm menor dimensão e menor visibilidade, com várias componentes de obra enterradas. Na nova fase os 3 mil milhões de euros equivalentes a cada um dos períodos anteriores continuam a ser afectados em proporção idêntica a cada sector tendo o eixo relativo aos transportes cerca de 50 por cento do apoio previsto.
A solução que passa por atribuir um maior nível de comparticipação do FC aos investimentos que terão de ser realizados no Interior, por causa das tarifas da água, mantém-se?
A comparticipação comunitária pode atingir com o FC, no máximo, 85 por cento do investimento. Quando os projectos geram receitas em virtude do pagamento dos serviços pelos utilizadores, esta taxa é ajustada para evitar um duplo financiamento pelo subsídio e pelas receitas. Os projectos de abastecimento de água, tratamento de águas residuais e tratamento de resíduos sólidos urbanos geram receitas deste tipo que deverão tender para a cobertura integral dos custos, em cumprimento do princípio do poluidor pagador ou do utilizador pagador. A possibilidade de ajustar as tarifas cobradas às despesas efectuadas tem limitações relacionadas com a capacidade económica dos utilizadores. Em regiões mais densamente povoadas e com maior desenvolvimento económico a capacidade de cobertura das despesas é maior de que nas regiões com menor densidade populacional. Neste sentido, há que combinar o princípio do poluidor pagador com questões de equidade territorial. A modernização das infra-estruturas nas regiões do interior e as respectivas condições de operação e manutenção devem ter em conta os modelos de financiamento mais adequados às suas características. A utilização de taxas de comparticipação mais favoráveis para estes projectos não pode deixar de ser combinada com os ajustamentos nas tarifas que em alguns casos estão ainda muito desactualizadas.Ainda na área do ambiente, têm uma verba prevista para a descontaminação de terrenos.
É capaz de indicar os locais que vão ser alvo de requalificação?
Como já referi, estas intervenções estão previstas no eixo 3 do POVT. Neste documento está prevista a execução de três projectos de recuperação de áreas contaminadas não identificadas. Os terrenos contíguos às minas vão ser uma prioridade?
No POVT está prevista a execução de onze projectos de reabilitação de áreas mineiras degradadas. O Regulamento Específico de Recuperação do Passivo Ambiental aprovado pela Comissão Ministerial de Coordenação do POVT, em 19 de Fevereiro de 2008, estabelece as condições de acesso para os projectos relativos a descontaminação de terrenos e recuperações de zonas mineiras. Este regulamento prevê, entre outras, o financiamento de “acções de requalificação e regeneração de áreas degradadas afectas à indústria extractiva ou sítios e solos contaminados considerados de intervenção prioritária a nível nacional”, o mesmo regulamento atribui à Agência Portuguesa para o Ambiente (APA) a confirmação do carácter prioritário das intervenções no âmbito nacional.
A avaliação global da implantação do Fundo de Coesão em Portugal no período 1993–2006 tem nota negativa dada por responsáveis de associações ecologistas. Quer comentar?
Essa afirmação pode ser objecto de interpretações diferentes e não deve ser retirada do contexto em que terá sido proferida. Não acredito que haja um único ecologista convicto que possa afirmar que a causa do ambiente estaria mais bem servida se não tivesse havido FC. Os progressos registados no sector, por via de investimentos apoiados pelo Fundo, são por demais evidentes em áreas como o tratamento de resíduos sólidos urbanos, cujo ponto de partida era muito deficitário. Gostaria ainda de lembrar, a propósito, que para além dos investimentos efectuados no sector há que ter em conta a exigência generalizada de identificação prévia dos impactes ambientais dos investimentos de transportes, com a adopção das medidas minimizadoras determinadas pelas entidades competentes. Nunca há soluções perfeitas e qualquer solução tem vantagens e inconvenientes que podem ser mais ou menos favoráveis para os diferentes interesses envolvidos. O princípio do desenvolvimento sustentável tem vindo a evidenciar o valor económico do factor ambiental mas o processo de conciliação entre as duas perspectivas implica sempre ajustamentos. A primazia do ambiente tem vindo a ganhar relevo, com a participação das organizações ecologistas nos processos de decisão a tornar-se cada vez mais visível. É importante que essa participação seja também cada vez mais alargada em termos de verdadeira participação cívica das populações. Considero que as sugestões e alertas dos ecologistas, a que muitas realidades têm vindo a dar razão, são muito importantes em termos de um progresso de mentalidades decisiva para um ambiente com futuro, mas rejeito ver afastados dessa causa os numerosos investimentos financiados no sector. Às vezes surpreende-me que algumas situações de degradação evidentes e atentatórias da saúde pública tenham passado despercebidas até ao dia em que se pretende resolver os problemas e em que as soluções propostas passam a ser alvos de críticas variadas. A maioria das decisões implica a escolha entre alternativas que nunca podem satisfazer todas as expectativas, por mais legítimas que sejam. A vida em sociedade implica que as regras de gestão dos interesses individuais sejam tão transparentes quanto possível, mas que, uma vez estabelecidas sejam respeitadas. A UE tem atribuído à área do ambiente uma atenção redobrada com multiplicação dos regulamentos e acréscimos de exigências permanentes. O FC tem sido um instrumento importante de aplicação dessa política e a participação construtiva de todos os agentes nesta causa comum é decisiva para os resultados que se possam obter.
Faz um balanço positivo da aplicação das verbas do Fundo de Coesão até hoje no nosso país?
O meu balanço é francamente positivo, quer pela obra feita e visível, quer pela parte menos evidente e que tendemos a esquecer com alguma facilidade. As contrariedades que vamos tendo que vencer ocupam normalmente uma parte maior do nosso pensamento do que as facilidades que vamos conquistando no dia a dia. O tempo ganho em deslocações que antes eram muito mais complicadas, a água que sai da torneira sem interrupções imprevistas ou qualidade inaceitável, o ambiente liberto do lixo que continuamos a produzir… são factos em que normalmente não pensamos. Por outro lado, também não são visíveis os graus de degradação e ameaça à saúde pública que teriam atingido certas situações sem as intervenções entretanto concretizadas. Ainda a nível de balanço e, para além da obra construída, considero importante destacar a prática de cooperação entre os vários órgãos da administração nacional e comunitária, favorecida pelo modelo de gestão do FC e o desenvolvimento de procedimentos cada vez mais orientados para resultados que têm como horizonte o serviço das populações. Esta é uma experiência que continuará a dar frutos de que todos precisamos. A lista dos projectos aprovados pode ser consultada no site www.qca.pt/fundodecoesao. Aqueles que a consultarem poderão responder ao convite que lhes faço de pensarem como seria a sua vida se alguns desses investimentos, que lhe dizem mais directamente respeito, não tivessem sido concretizados. Para os que sintam que poderiam ser melhor servidos se a gestão da infra-estrutura respeitasse uma ou outra condição, deixo o convite à participação cívica pela utilização dos canais de comunicação abertos com as entidades responsáveis pela sua gestão.
Há alguma coisa que deveria ter sido feita de forma diferente?
Quase todas as coisas poderiam ter sido feitas de maneira diferente, muitas teriam sido bem piores se não fosse o esforço permanente das diferentes equipas, com quem tenho tido o privilégio de trabalhar, para ultrapassarem obstáculos inesperados e diversas carências de meios. Cometemos vários erros, eles são os nossos mestres numa lição que nunca acaba para quem acredita que é sempre possível mais e melhor. É preciso respeitar o tempo da tomada de decisão e executar com determinação, rigor e os meios adequados as decisões adoptadas. O processo de discussão e análise de alternativas deve ser tão exaustivo quanto possível mas uma vez respeitados os processos estabelecidos há que actuar em consequência. Há o tempo da discussão das estratégias e o da definição dos projectos. Por vezes pretende-se que os projectos resolvam, só por si, questões que os ultrapassam. Outras vezes arrastam-se indefinidamente discussões sobre temas que nunca poderão merecer unanimidade. A capacidade de chegar a consensos exige alguma disciplina e sempre um sentido do colectivo. A nível dos processos é preciso estabilizar os quadros de referência, clarificar as funções, adequar os meios e exigir responsabilidades. É preciso defender o primado dos princípios como referência da responsabilidade individual e definir as funções visando objectivos de eficiência e eficácia. No âmbito mais alargado, gostaria de registar com agrado uma das conclusões da Conferência sobre o Futuro da Política de Coesão, realizada no início de Abril na Eslovénia, em termos dos procedimentos e da sua aplicação e que vai no sentido de valorizar mais os resultados obtidos do que os investimentos efectuados. A coordenação entre fundos, a conjugação de esforços de todos os agentes e o reforço do factor humano são ingredientes indispensáveis nessa abordagem.

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