terça-feira, 13 de maio de 2008

Entrevista com Almeida Santos

Por este extracto, uma entrevista para ver para onde vamos ou para onde nos querem levar... Parece estar a aproximar-se a hora da verdade dentro do PS:

Esquerda e direita é a mesma coisa? O critério é saber se há lugar na manjedoura? Os portugueses já não mandam na política portuguesa?


(DN) 11.05.2008 João Marcelino (DN)Paulo Baldaia (TSF) (extracto publicado online)

No PS, o centro de poder está no secretário-geral. O que faz o presidente? É apenas uma figura decorativa?...

É uma figura tutelar. Ainda tem uma função representativa. É uma figura um pouco mitificada, porque tivemos um presidente, o António Macedo, que acompanhou o PS como presidente durante 15 anos ou mais. Depois disso, eu não quis o cargo desde logo. O presidente era apontado pelo secretário-geral como primeiro da lista, e eu disse: "Não, por inerência não; ou sou eleito directamente ou não sou candidato." Nessa altura, o Jorge Sampaio, que era secretário-geral, não pôde aceitar a minha exigência e eu não fui presidente. Mas veio o Guterres, aceitou, e eu fui eleito directamente, e não por inerência, como primeiro de uma lista da Assembleia da Comissão Nacional.

É presidente do PS no poder, mas também já o era na oposição. É inevitável que o partido se coloque à esquerda quando está na oposição e pareça interessado em invadir o centro-direita sempre que chega ao poder?

O problema não é de coerência. Quem está no Governo tem de alinhar pela União Europeia (UE), que já dita 60% das nossas regras económicas. E a UE não está à esquerda. Também não está à direita. Mas a verdade é que a UE não tem uma orientação de esquerda e nós temos de alinhar pela UE.E isso não obrigaria o PS a mudar o seu programa de partido, a sua matriz?Não, porque Portugal não tem condições para viver fora da UE. Temos de ter consciência de que somos um país pobre de recursos, e nem sempre temos consciência. O melhor que temos ainda são as pessoas, a verdade é essa. Os portugueses têm de ter consciência que somos um país sem recursos naturais significativos. Tivemos o mar, mas abandonámo--lo, não sei bem porquê. Não temos petróleo, não temos diamantes, não temos minerais

Tem havido bastantes críticas dentro do PS às políticas sociais do partido. Manuel Alegre, mesmo Mário Soares. Como vê isso?

Convivemos bem com as críticas internas e até externas. O PS é um partido que privilegia a liberdade crítica, a começar pelo interior do partido. O Manuel Alegre é um caso, mas não é único. Mas é um caso notável e talvez com uma força que, nos últimos dez, quinze anos, ninguém mais teve dentro do PSFoi candidato a presidente da República e teve uma votação muito significativa. Isso aumentou, evidentemente, não direi a força, mas a qualidade política e o significado das suas críticas. Respeitamos a sua opinião e ele continua a ter o lugar que sempre teve dentro do PS.Acha que Manuel Alegre deveria ter sido o candidato oficial do partido?Bem, o que se passou nessa altura eu não gostaria de revelar aqui, mas quando escolhemos Mário Soares como candidato não se perfilava ainda a candidatura do Manuel Alegre. Não havia alternativa. Quando o Mário Soares decidiu candidatar-se, devo dizer que eu o aconselhei, se é possível falar assim, a que não se candidatasse. Mas só por uma razão: pela idade e por já ter tido dois mandatos. E um outro mandato, a partir dos 82 anos, a meu ver, era um bocado excessivo. Ele na altura foi sensível aos meus argumentos. Depois entendeu que devia candidatar-se e eu disse: "Se você se candidatar, eu apoio, como é evidente, sempre o apoiei e volto a apoiá-lo." Mas foi um erro, foi um erro que ele cometeu.

Manuel Alegre representa hoje a ala esquerda do PS?

Eu não diria que há uma ala esquerda e uma ala direita no PS. Há liberdade de organização de tendências, mas não há tendências organizadas dentro do partido. O Alegre ganhou como personalidade, porque, primeiro, é poeta, e desde logo isto dá-lhe uma notoriedade. É melhor poeta que político? Eu diria que sim, sinceramente. Eu admiro muito o Alegre e sou amigo dele, mas admiro-o mais como poeta do que como político. Também é mais difícil ser um bom político do que ser um poeta. Um poeta nasce, tem o génio de o ser, e ele, de facto, é, neste momento, para mim, o melhor poeta português. Depois que morreram dois ou três poetas que podiam equivaler-se, ele ficou quase sozinho, em termos de grande mérito na poesia portuguesa. Por outro lado, é um poeta de combate. Os dois melhores livros dele são os primeiros, de poesia de combate. Como político é bom, fala muito bem, é um orador excelente, bom parlamentar, mas é um político de ideias vagas, não é um político do pormenor e do concreto

O pragmatismo de José Sócrates está a hipotecar o eleitorado de esquerda do PS?

De maneira nenhuma. O PS está satisfeito com a liderança de José Sócrates, como talvez não tenha estado com nenhum líder a nível de governo. O PS teve três grandes primeiros-ministros. O Mário Soares pela sua dimensão universal, sobretudo europeia, cultural, pelo seu passado pessoal, com uma capacidade rara de visão do futuro. Mas depois, na pragmática política, já não atingia essa mesma perfeição. Tivemos depois o Guterres, que era um comunicador espantoso: fala três línguas, quatro incluindo o português, mas nunca teve uma maioria absoluta. E isso fez com que ele, de algum modo, desse uma imagem de um primeiro-ministro que, em certos momentos, hesitava.

E José Sócrates?

Trago do regime anterior uma certa resistência a elogiar políticos. Na medida em que estive contra Salazar e Caetano, elogiar um político para mim era coisa impossível. Mesmo depois do 25 de Abril, nunca gostei. Mas tenho grande apreço por José Sócrates, devo dizer. Ele está a ter um papel que eu considero excepcional, mesmo entre os três primeiros-ministros do PS. Excepcional.

Elogiou muitas vezes Mário Soares. Acha que Sócrates é melhor que Soares?

Não, são diferentes. Para primeiro-ministro prefiro o Sócrates. Como político em geral, como personalidade, tenho uma admiração imensa pelo Mário Soares. O Mário Soares tem uma cultura única, universalidade e capacidade de adivinhação do que politicamente vem aí. Resolver problemas concretos, modernismo, tecnologia, introdução de novidade, isso é o Sócrates.

Surpreendeu-o em relação àquilo que esperava?

Sim, sim, não esperava tanto dele. Devo dizer que o conhecia bem, votei nele, necessariamente, desejava que tivesse um êxito, mas nunca esperei que tivesse o êxito que está a ter. E mais: que tivesse a coragem de desagradar. "A democracia é o sistema mais perfeito, à excepção de todos os outros", como dizia o Churchill. Mas tem um defeito inerente, que é este: precisa de agradar para ter votos. A coragem de desagradar, para mim, é a coragem principal de um líder político. Quando se tem uma maioria absoluta também fica mais fácil ter essa coragem, é evidente. Mas continua a querer-se agradar, porque se quer ganhar votos para as eleições seguintes. Vamos ver o que vai acontecer no próximo ano. Vamos a ver, vamos a ver. As sondagens surpreendem-me pela constância. Devo dizer que José Sócrates é um indivíduo de grande qualidade. Faz um esforço físico, um esforço mental. Vai a tudo, está em toda a parte. Fez uma presidência europeia notável, o que eu também não esperava, porque os méritos dele não eram na política internacional, eram a nível da política interna. Sócrates adaptou-se à política internacional e está hoje com grande prestígio a nível europeu. E, depois, aquela história de chegar a uma capital e ir fazer jogging para a rua. Até isso ajuda, dá-lhe um certo ar de juventude e de modernismo. É um grande líder político.

E não acha estranho que tenha sido José Sócrates a conseguir a primeira maioria absoluta para o PS, coisa que nem o senhor, nem Soares, Guterres, Constâncio ou Sampaio conseguiram?

Eu fui a eleições num momento muito especial, é preciso ter consciência. Perdemos porque tínhamos tomado medidas de austeridade para podermos cumprir os critérios de Maastricht e entrarmos na Comunidade Europeia. E o povo não gosta de austeridade, como é óbvio. Por outro lado, não se esqueçam que nessa altura, por uma divergência entre o Mário Soares e o presidente da República, general Eanes, este entendeu que devia patrocinar a constituição de um partido na área do eleitorado socialista, e os votos do partido dividiram-se ao meio. Eu fiz o sacrifício de representar naquele momento o PS, sabendo bem o que me esperava. O que não esperava era que o partido patrocinado por Eanes tivesse 18% na área socialista. Os 18%, que eram nossos, mais os meus 21% davam 39%.

E o senhor pediu 43%, na altura.

É preciso pedir mais para ter menos. Mas não fui eu que fiz esse cartaz, nem o autorizei . Cavaco Silva ganhou com a menor maioria de sempre, com 29%, menos 10% do que teríamos tido se não houvesse o PRD... Portanto, foi uma conjuntura ditada pela política de austeridade. Deixámos a Cavaco Silva uma situação única para poder brilhar. Começaram então a pingar os fundos europeus. Houve dinheiro para tudo, enquanto antes não havia para nada. E, a partir daí, não houve as mesmas condições políticas. O Guterres não teve maioria. O PSD, quando retomou o poder, não a teve, e só agora o Sócrates a teve. Porquê? Porque as pessoas sentiram que o País precisava de estabilidade e, mais, de autoridade. Eu explico dessa maneira o facto de, ainda neste momento, ao fim de três anos e meio, o Governo de Sócrates ter 43%. Não me lembro de termos baixado dos 40% nas sondagens. Andámos ali pelos 40, 41, 42, 43, sempre à borda da maioria absoluta. Ora bem, isto é mérito do primeiro-ministro, mas é também a ansiedade de estabilidade política e de autoridade política.

No seu íntimo, nunca achou que, em certas ocasiões, o seu amigo Mário Soares foi, politicamente, um bocadinho egoísta?

Ele tem direito aos seus defeitos, a verdade é essa. Eu diria que, uma vez por outra, pode tê-lo sido. Mas também lhe digo: compensando esse egoísmo com rasgos de generosidade espantosos. Lamenta que Jorge Coelho tenha saído da política activa? Claro que lamento! É um grande político. E mais: é um político que tem uma penetração populista espantosa, se a quiser ter. É um orador em que o som é tão importante como as palavras, uma voz espantosa, e as audiências políticas para que fala vibram com ele como não vibram com ninguém, nem com o Sócrates. Era um intuitivo, uma força da natureza como político. Eu tenho pena que ele tenha tido a doença que teve, que foi, aliás, o que o afastou. E depois houve aquela demissão também por vontade própria, por causa de uma causa que em meu entender não o justificava. Que culpa tinha ele que caísse a ponte [de Entre-os--Rios]? Nenhuma, como se veio a verificar. Mas na altura havia um clima emocional no País e ele entendeu, "pois muito bem, a ponte caiu, eu sou o máximo responsável".

Falou em audiência populista. Foi uma gaffe, ou acha que Jorge Coelho tem dons populistas?

Não é gaffe, não é gaffe.

Queria dizer populista ou popular? Populista tem uma certa carga negativa.

Ponha a carga que quiser. Ele tinha a capacidade de ter a adesão do povo. Isto é uma grande virtude para qualquer político. Portanto, se ele se candidatasse a líder do partido, eu diria que ninguém o vencia, exactamente por essa sua característica. O povo socialista gosta dele. Os militantes adoram-no. Infelizmente, ele não pôde dar continuidade à sua carreira política, mas era um intuitivo, um homem com capacidade para ser um grande líder político.

Gostou de ver Jaime Gama fazer elogios a Alberto João Jardim?

Se ele disse aquilo, é porque o pensa. E tem o direito de dizer aquilo que pensa. Só é pena que o tenha dito daquela maneira. Não sei explicar porque é que ele, naquele momento, lhe fez aquele elogio. Sobretudo o elogio ao nível da democracia, do democrata e tal. Porque o Jardim tem qualidades inegáveis. Eu próprio, noutras oportunidades, elogiei a obra dele, que justifica a votação que consegue. A Madeira que ele tomou não tem nada a ver com a Madeira que ele deixa[rá].

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